Gabi viu o mar com olhos de criança. Rolava no raso, fazia castelinho de areia, lutava contra as ondas, deixava o picolé derreter na pele, areia pregada no couro cabeludo e dentro das orelhas. Onde já se viu uma mulher de quase 30 anos agir assim?
Era a lua de mel de Gabi e Francisco, com destino ao sul da Bahia. Ela estava tão eufórica que seu coração parecia que pulsava no corpo todo. Isso porque nasceu no interior de Minas Gerais, uma cidadezinha que estava mais perto do Tocantins do que do mar.
Conhecer as águas salgadas viraram sonho logo cedo. Queria provar se era mesmo tão salgada como diziam. E ali, saltando as ondas, e mergulhando contra elas, se deliciou com o sal entrando em seu corpo, invadindo suas veias e se instalando no coração. Estava insaciável, queria beber toda a água do mar só pra poder levar a imensidão pra casa.
Não queria sair da água. Só se fosse pra comer uns petiscos de batata e peixe frito. Ou um queijo coalho, quem sabe um milho com manteiga ou outro picolé. Francisco, também filho de cachoeira e rio, estava ainda com suas dúvidas quanto ao mar. Tinha ouvido falar mais sobre as correntezas e animais que mordem embaixo d’água. Preferiu a cerveja e o guarda-sol.
Gabi capotou na cama com a roupa do dia assim que chegou no hotel, que fica de frente para o mar. Cabelos ressecados do sal da água, a pele salpicada. Já estava ansiosa para ser engolida pelo mar no dia seguinte.
Francisco, cansado das cervejas, se deitou ao lado. Dormiram sem nem colocar alarme. Gabi sonhava que estava em alto mar, num barco. Uma forma do seu corpo denunciar o enjoo que já sentia de tanto beber água salgada.
Quando acordaram, já era quase meia-noite. Foi cambaleando até a janela para ouvir as ondas do mar mais de perto. Até que percebeu que as ondas que antes batiam ali na orla, estavam longe, quase não dava para ver.
Se desesperou, acordou o Francisco aos berros:
— Amor, acorda, acorda, acorda! Faça as mochilas, não temos muito tempo!
Francisco ainda com remela nos olhos, se espreguiça todo e diz:
— O que tá acontecendo, mor?
— O mar, Francisco, sumiu!
— Como assim, sumiu?
— Olha lá pra fora, ele tá muito longe, nem dá pra ver direito!
Francisco foi até a janela, viu que o mar não estava lá. E como inexperiente e medroso em assuntos de água salgada, comprou o desespero da esposa.
— Tá, mas por que estamos fazendo as malas com pressa?
— Porque pode ser um tsunami, o mar recuando, e nós estamos logo de cara pro mar!
— Aiminhanossinhora, bem na nossa vez de vir pra cá?
Ainda com cabelos secos do dia de sal, desceram até a recepção para saber qual era o procedimento, para onde corriam, tinham colinas ali por perto?
O recepcionista, confuso com tantas perguntas, não entendia o motivo da correria. Até que Gabi gritou:
— O mar foi pro fundo! Tá vindo um tsunami!
— Moça… o nome disso é maré. O mar recua todo dia. Mas fica tranquila, ele sempre volta.


Ponto de equilíbrio
Joca era um menino espoleta. Nasceu filho de um casal aventureiro que vivia num veleiro. Como ele tinha 3 anos, ainda tinham alguns anos até terem que atracar para o pequeno frequentar uma escola.
Enquanto isso, ele aprendia a dar nós, lavar louça com baldes e dormir embalado pelo mar, como se fosse o colo de sua mãe. Talvez seja por isso que ele não deu trabalho nenhum quando recém-nascido, continuava sendo ninado pela mãe-mar.
Tudo o que seus olhos viram fazia parte do arquipélago de San Blas. Ilhas espalhadas no mar mais caribenho que sua mente for capaz de imaginar. Aquele era o mundo de Joca, um infinito azul com algumas ilhas cheias de coqueiros.
A mãe faz piada contando que um dia foram para a Cidade do Panamá e ele dormiu o caminho todo. Agora, se dormir no sofá de casa e acordar no quarto já era sobrenatural, imagine dormir num barco e acordar em uma capital latina? Pois é. A primeira reação de Joca foi gritar: “essa é a maior ilha que eu já fui em toda a minha vida!” Não tá errado, Joca, não tá errado…
No barco, ele era o Mogli do oceano. Se pendurava em tudo, conseguia pular de lá pra cá com o impulso do balançar do barco. O corpo dele estava completamente acostumado com o vai e vem, era como se ele lesse os movimentos do barco. Eu não, estava me apoiando em cada parte do barco para não tomar um belo rola.
O curioso mesmo foi quando atracamos em uma das tantas ilhas de San Blas. Joca desceu, e foi correndo se encontrar com um amigo da ilha. Tombou na areia em alguns passos, tirou as areias do joelho e continuou a correr.
— Ele ainda não está acostumado - Falou a mãe, enquanto dava umas risadas.
— Com o que? - Perguntei.
— Com o ponto de equilíbrio da terra. Ele ainda cai quando tenta correr fora do barco.
Memória socada no fundo da nuvem.
História curiosas de duas pessoas que conheci na estrada e me contaram sobre o mar. Uma no interior de Minas, e o outro num barco no Caribe.
Como a nossa realidade é completamente moldada pelo o que vivemos?
O que os nossos medos revelam sobre a nossa percepção de mundo?
Já parou pra pensar como seria ter tido outras perspectivas?
Como aumentar a nossa noção de realidade?
Será que é preciso aumentar a nossa noção de realidade?
Tem um limite que o corpo consegue processar e depois se fecha pra o “novo”?
Com amor, e ainda com voz fanha da sinusite,
Não sei o que é mais foda, a história ou a forma como você descreve as histórias! Você é demais! Agora, com relação as perguntas, eu vou precisar refletir sobre, rs. Beijo Lanninha
Como sempre, texto incrível Lanna! Acredito que a vida seja um pouco disso, cada um tem um universo inteiro dentro de si onde tudo é moldado de acordo com o que temos ao redor. É incrível ver como cada um vive e experimenta o mundo de uma forma diferente e acredito que uma das formas de expandir o nosso conhecimento e entendimento do mundo é viajando e conversando com outras pessoas e conhecendo outras histórias! Continue escrevendo sempre Lanna e ansioso pela jornada sua e do Careca na Rota da Seda!