24 | Motivos para montar um acervo pessoal
Curadoria dos meus diários da infância e adolescência (é bom demais)
Quantas versões de você e da sua vida estão encaixotadas nos armários e gavetas de casa?
Falo daquele tazo que você ganhou num Ruffles e lembrou da sensação de jogar com os amigos, de como era jogar bafo com qualquer carta ou pedaço de papel. Uma medalha de basquete que você foi praticamente obrigada a jogar, um cartão de orelhão que te deu saudades de não existir WhatsApp, ou aquele bilhete de cinema onde você deu seu primeiro beijo.
No meu caso, o registro do meu primeiro beijo foi um bilhete de uma festa junina, e curiosamente meu casamento foi tema de uma festa junina também.
Esses dias abri um armário lá em casa e achei uma caixa cheia de papel, cadernos e itens dos anos 90. Pelas letras rabiscadas, eram minhas. Sentei no chão do quarto e me deliciei. É doido como a gente tem a capacidade de esquecer de nós mesmos.
Registro extraordinários
Foi só na pandemia que entendi o porquê escrevo.
Durante a pandemia eu simplesmente não conseguia escrever um "a" nem no caderno e nem no computador. Fiquei meses encarando as páginas em branco e nada queria sair. Fiz até oficinas de escrita e nada muito promissor, assim que acabavam as aulas, os cadernos voltavam pro fundo da gaveta.
Desabafando com uma amiga, ela me incentivou a escrever sobre o porquê escrevo, o que me leva a ter vontade de escrever algo. No texto eu percebi: escrevo o que quero eternizar, lembrar.
Logo, em momentos pra baixo, quando a vida te esmaga, não quero eternizar isso. Quase como se eu tivesse fazendo um Instagram da minha vida pelos caderninhos. Só lembrar o lindo, o belo, o gostoso.
Chorei escrevendo, daqueles de sair ranho. Comecei a escrever tudo o que eu NÃO queria lembrar da pandemia, da sensação de angústia, de abandono, de raiva, de desesperança, de solidão.
E, assim, escrevi minhas primeiras páginas em quase 9 meses. Agora fica a pergunta: por que você escreve? O que você escolhe não esquecer?
Registros ordinários
Passo dias sem escrever.
Não sou a pessoa que faz as páginas matinais, sigo não eternizando qualquer evento do dia, conversas. É como se, na minha mente, as páginas do caderno fossem sagradas e tivessem um limite. Bom, elas têm, mas não é como se eu não tivesse uma pilha de cadernos vazios esperando a vez de serem preenchidos.
Abri umas caixas lá em casa e foi melhor do que o pote de ouro no final de arco-íris. Era um museu só meu, da minha vida, emoções, devaneios. Aquela Lanna anotava pessoas, lugares, momentos que fizeram pequenas cicatrizes em mim. E eu, com medo de esquecer, anotava tudo para um dia me lembrar dos sorrisos e palavras que um dia me hipnotizaram.
Eu não contava que a Lanna-do-futuro não iria me lembrar quem era Gabrielly, Afonso ou Lisa. Mesmo assim, foi divertido ver histórias que vivi e minha mente incinerou… calma, serão invenções da minha imaginação???
Encontrei, entre tantas coisas:
. umas cartinhas de amor e breguices intensas que não imaginei ser capaz - sempre me achei fria pra declarações espalhafatosas, mas talvez eu só me acostumei com as marés e enjoos do amor;
. como um poema escrito por mim - pera, eu escrevia poema?;
. um projeto de livro escrito a mão com dedicatória e tudo, e uns projetos de jornal independente aos 13 anos e aos 22 - forte me ver confiante e sonhadora;
. aos 11 anos, registrei meu primeiro relato de cólica - e só aos 29 veio o diagnóstico de endometriose + adenomiose;
. minha fase emo em desenhos maneirinhos, cartas com muitas certezas da vida e do mundo, uma leve raiva dos meus pais pela falta de liberdade - pirralha, tu nasceu em São Paulo, a culpa não é bem dos teus pais, segura a onda aí;
. meus hormônios pré-menstruais causando comigo e eu escrevi "que vontade de beijar” na agenda - e hoje eu tô compartilhando na internet;
. uma tentativa de planejamento de viagem que só me mostra o quanto não evolui em nada nesse aspecto - prestes a viajar e sigo confusa igual;
. escrevo diálogos internos para me dar conselhos quando não sinto ter alguém pra falar sobre - o primeiro registro foi em 2011, mas também fiz um semana passada;
. e até uma receita contra ansiedade - útil até hoje, tava precisando.
Com vocês, a amostra da curadoria:
Obviamente filtradas porque vi ali coisas que não valem trazer a público, humilhações são parceladas em pelo menos 3x no crédito.









Registros de uma vida
Não vou anotar tudo que faço, vejo, falo, como, mas é bem divertido ver quando nasceu minha obsessão pelo tempero curry, com quem aprendi a misturar maracujá com chocolate, fiz minha primeira trilha, já quis ser mãe, quando ganhei o primeiro coração partido ou falei sobre viajar o mundo aos 17 e não me recordava que essa vontade existia.
E, claro, descobri coisas de mim vendo meu pequeno museu que não são gostosas. É ver o seu lado nocivo, um pedaço daninho, e ver que ele se arrasta por anos, décadas. Você segue lidando com os mesmos dilemas em ciclos sem fim. Dói, mas é importante se ver, se enxergar.
Tomara que no futuro eu possa olhar para os meus registros hoje e descobrir outras coisas que não enxergo agora. Sei lá, pra se entender é preciso se enxergar.
A questão é: não quero anotar só o extraordinário, quero voltar a escrever o trivial. O café da manhã que tô viciada, as dores na cervical que me assombram, meus medos de hoje, meus sonhos e vontades de hoje, a dificuldade de ter disciplina com exercício físico, e tantos outros…
Acho que só quem escreve ou registra a própria vida tem um museu particular. Poder olhar pra trás e se conhecer de novo.
Ver que você foi a pessoa que escrevia poemas e não tinha vergonha de berrrar meu amor como num filme da sessão da tarde, e muito menos vergonha de escrever na agenda que queria dar uns amassos. Ou de criar mil e um projetos e muitos não seguirem além do plano… Pois é.
Enfim… essa newsletter é um incentive para vermos o registro para além do novo, do inusitado. Que seja um leve incentivo a ter um acervo da sua vida, para se visitar quando der vontade.
Com amor, de quem quer voltar a escrever poesia (sos),
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Que texto bacana!!! Crônicas da própria vida, a la Rubem Braga.
Estou no fim da minha primeira viagem solo, uma viagem com objetivo de me reconectar comigo mesma, e esse texto se encaixou perfeitamente. A viagem me fez encontrar com meu eu de agora, mas depois desse texto estou curiosissima pra revirar meu proprio museu e descobrir o que ainda carrego, o que tem denovo e de antigo que ja me lembro mais