10 | Tire sonhos da gaveta para brincar
Sobre erros, testar futuros, se perder de si, e dar risada no caminho.
Você tem sonhos de gaveta? Aqueles que você não quer viver agora-agora, ou não tem como, só sabe que quer que eles façam parte da sua vida um dia?
Cerâmica é o meu.
Sonho é como uma bússola para o futuro. Pegadas que vão nos direcionando onde queremos chegar ou quem queremos ser. É a minha carta na manga para quando eu me perder de mim, é para a Lanna-versão-cerâmica que vou.
Eu até me enrolo quando falo desse sonho, acho que é para viver em voz alta. A questão é que a cerâmica não tem como fazer parte da minha vida agora, não tenho como ficar meses e meses fazendo aulas, aprendendo e aperfeiçoando essa arte. Entre os tantos abandonos que essa vida de viajante impõe, coloquei esse sonho numa gaveta para ser vivido mais para frente. Quando der. Se der.
E quero que dê. Porque sinto que a argila é a mais pura magia da natureza. A terra é moldada com as nossas mãos molhadas. Depois, soprada pelo vento até secar. Por fim, torrada com as brasas do fogo, onde ela vai mudar a textura, a cor, e até o tamanho. Os quatro elementos, uns toques e amassos dos nossos dedos e voilà: uma peça de arte única. Se isso não é magia, não sei o que é.
Tenho uma ânsia de jovem, a de me perder de mim na minha trajetória. Medo da vida sumir do meu olhar e eu não achar mais o caminho de volta. Por isso tem vezes que preciso ter um gosto de quem a Lanna vai ser no futuro. Sentir a trilha em direção a ela sob meus pés. Dar uma espiada no futuro e ver que eu não perdi a esperança, o sabor de viver. Que não vou ser a véia emburrada que só sabe reclamar em murmúrios e olhar para os próprios pés.
Nas viagens fico buscando essas mulheres fontes de inspiração para a pessoa que um dia quero ser. Como aquela mulher com os longos cabelos grisalhos lindamente trançados, rugas de tanto sorrir, com boca de palavras sucintas e perfurantes. Ou aquela jornalista curiosa num barco entre Santarém e Manaus que conversava com cada um como se não existissem outras pessoas ali.
E teve aquela senhora que vi brincar numa praça com os netos, ria tanto quanto eles, senão mais. Como minha mãe, que faz piadas de si, dá vibrantes gargalhadas e conta histórias como ninguém. Delícia de viver. Eu quero ser dessas véia meio moleca. Daquelas que não se diminuem por seus dentes amarelados com o tempo, os fios brancos ou as limitações do corpo, continuam tendo o brilho na alma.
Marquei uma aula de cerâmica. Sim. Assim. Do nada. Quis tirar esse sonho da gaveta só para sentir ele mais perto da realidade. Fui até Cunha, interior de São Paulo, um lugar conhecido pelas suas belíssimas obras e ateliês desse tipo de arte. Marquei uma “aula experimental de cerâmica”. O frio na barriga vem só de te contar isso. Doido como os sonhos mexem com a gente por dentro, não?
Fui andando até a aula saltitante como se a cidade não fosse uma eterna ladeira. Ostentando um sorriso para todos na rua, dando bom dia até pras abelhas, aquele tipo de pessoa insuportável às 8h que poderia fazer parte de um musical. Não conseguia segurar a minha felicidade só para mim, eu estava para explodir e o mundo precisava testemunhar a erupção.
Cheguei na aula, coloquei meu avental e sentei no banco do torno elétrico. Como grandes desconhecidos que éramos, ficamos em silêncio até alguém nos apresentar. Meu sorriso seguia lá, firme e agora com cãibra.
Molhei as mãos na água morna e nossas peles se encontraram. Senti cada parte daquela argila acariciar meus dedos, me arranhando suavemente. Se misturando com a minha digital, se alojando na minha unha e fazendo dela sua nova morada. Até ela fazer parte de mim e eu me perder enrolada nela.
Confesso que esperava que fosse como uma bola de cristal que me levasse para mais perto da Lanna do futuro. Um oráculo que me desse um palpite, me abrisse alguma trilha que me levasse mais perto de quem quero ser. Tolice, eu sei.
Curiosamente quem deu as caras foi a moleca, mas não a do futuro, a do passado mesmo. A pequena moleca que tem dentro de mim. Para falar a verdade, não me lembro de ser assim na infância. Ou talvez ela estivesse aqui quieta só esperando uma oportunidade de aparecer.
Naquelas horas de moleca eu não tinha vergonha de nada. Fazia careta tentando reproduzir os movimentos, me emocionava quando a argila subia suavemente pelos meus dedos e encharcava minha mão. Soltava suspiros quando testava algo e amava, dava gargalhada quando algo dava errado. “Na cerâmica não precisa ter medo de errar, é só argila”, como me lembraram na aula. “Na dúvida, recomeça”.
Essa frase me lembrou de uma conversa com um grande ceramista de Cunha. Ele falou que não sofre mais de ansiedade, “porque ansiedade é coisa de quem tem futuro”. Ele, já colecionador de muitas mãos cheias de aniversários, não tinha mais o porquê ansiar. “Tenho mais passado que futuro”.
Aquilo estranhamente me trouxe paz, me tirou um pouco a ânsia que tenho agora com isso. Porque as histórias que ele me contava tinham muitas curvas não previstas, pequenas arestas que mudaram todo o caminho dele. Que ele não planejou. Ou que planejou e aconteceu diferente, como tudo na vida. E, no fim, ele estava bem. Talvez a vida seja assim.
Quase como uma peça de argila que faço de mim mesma, me lembrei que estou me moldando com o passar do tempo. Junto das rugas que vão aparecendo, do corpo que vai mudando, da molecagem que vai esfarelando com os outonos. Junto dos ventos e fogos da vida que vão transformar tudo que fiz em algo completamente novo e inesperado. Nada que entra no forno - ou abraça a vida - sai igual. Nada. Por mais que tente controlar, até as brasas quentes brincam de fazer arte sem você saber.
Inclusive, esse sonho de gaveta pode nem fazer parte do meu futuro, só de enxergar que ele está no meu horizonte já me faz andar. Quem sabe os tantos ventos e fogos de viver vão mudar minha forma e eu faça outra coisa, que eu seja outra coisa. Algo que eu nem sequer sonhe hoje. Sanfona. Origami. Culinária etíope. Canto.
Isso tudo me lembrou que essa é a parte mais divertida de colecionar rugas: eu não preciso aprender técnicas, teorias, endurecer na torra da brasa. É hora de me divertir com a mão na argila. Não tem erro na cerâmica, não tem erro no caminho. Sempre que der, seguir experimentando pela primeira vez. Errar e testar essa e outras versões da Lanna que tanto sonhei. “Na dúvida, recomeça”. É isso, agora eu só quero brincar.
Recebi minhas peças de cerâmica esses dias e queria te contar que elas são exatamente assim: totalmente diferentes do que imaginei que ficariam. Elas são magicamente reais, hipnotizantes.
Espero que eu seja assim no futuro, diferente do que sonhei que seria. Até lá, vai ser legal ter a pequena Lanna moleca para me acompanhar a moldar essa jornada. A dona de me fazer “errar” e viver com sabor de brincadeira.
Fica o lembrete: desengavete sonhos hoje, nem que seja para brincar de futuro com eles.
Sabe as imagens de cerâmica desse texto? Eu que fiz! Sim, eu que fiz!
Agora, uma montagem para te mostrar as caretas do processo. Quem sabe assim você não sorri comigo :)
Sonhos movem a nossa vida e eu amo ouvir essas histórias. Então, me conta: cê tem um sonho de gaveta? Me fala sobre ele, se você tira ele da gaveta para brincar, ou se pretende fazer isso. Como? Por que agora?
Com carinho e argila nas unhas,
Mulher! Essa news me pegou, hein? Pq será? Risos nervosos hahah.. aiai q lindo, apenas. E muito obrigada por esse abraço em forma de palavras.
Lanna, prazer em conhece-la!
Passei fã fazer de senhor, só fã de carteirinha da frase:
"Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha sõ, mas só sonho que se sonha junto é realidade."
Então junto netos,maridos irmão e filho, ela vamos nós, Shows e passeios - dia 20 Roda Gigante no parque Villa Lobos.
2025 - Caverna do Diabo com a trupe toda!
Sucesso amiga