4 | Finalmente, Cartões Postais
Um respiro de crises em forma de newsletters, mas fica aqui com os últimos cartões postais escritos
Depois de escrever e compartilhar crises pessoais, íntimas e intensas nas últimas 3 newsletters, resolvi me dar um descanso mental e emocional [também pra vocês, para não ficar abrindo mais feridas coletivas por aqui].
Vou deixar os últimos cartões postais escritos aqui em São Paulo, fazer [finalmente] jus ao nome desse projeto.



Espaço pra crescer
Era pra ser só mais um passeio com o cachorro.
Ao passear com o Coda pelas ruas da minha cidade senti a vontade de tirar os sapatos e esfregá-los no pequeno canteiro que dava alívio para a raiz da árvore nascer, crescer, se esticar. Único espaço pros cachorros cheirarem um pouco de terra… e fazerem xixi. Mesmo assim, me segurei para não tirar os sapatos e ter que lidar com os olhares de “doida”.
Lembrei de quando eu trabalhava por aqui e me sentia explodir fogo de dentro pra fora. Eu inventava uma reunião e corria pra perto de algo que fosse verde, como o Ibirapuera. Atravessava a Avenida, tirava os sapatos e andava pelo parque até encontrar uma árvore pra subir e esquecer de onde estou. Ficar em silêncio, apagar o fogo com água, me deixar vazar em lágrimas.
Talvez eu devesse ter tirado os sapatos e esfregado os pés. Talvez só com eles sujos de terra é que eu consiga nascer, crescer e me esticar.



De passagem
Avenida Paulista… tantos anos vivendo por essa Avenida só para continuar me sentindo uma forasteira.
Será que alguém sente que pertence aqui? Será que foi um lugar construído para as pessoas pertencerem? Ou só passarem? Não tinha parado pra ver assim.
Sempre me senti errada por não me sentir “em casa” em casa. Mas e se aqui realmente não foi feito pra isso? E se os tantos “lazeres” que dizem ter aqui são só “paliativos” para que você goste, mas não se sinta parte? Uma eterna visita que está aqui só pra ver.
Na minha cabeça, se tem algum lugar além do ABC onde eu me sentiria “em casa”, seria aqui: na Avenida Paulista. Ela é tão desconhecida quanto familiar. Talvez porque eu sempre estive de passagem por ela, nunca existi aqui de fato.
Talvez é assim que São Paulo tenha que ser na minha vida: passageira.
Eu vou, talvez eu volte.
Ou não.



Ladrão de imaginar outras vidas
Qual é o começo de uma cidade sem fim? Como ela começa e por que não parece acabar?
Um grande e (in)finito projeto de empilhamento de pessoas que tampa o horizonte e nos engana de que não existe mais nada além disso. Como se não tivesse como escapar daqui. Nem tente, não tem fim. Como se fosse uma prisão de horizontes, mais que isso, uma prisão de esperança em outras vidas possíveis.
A vida daqui pra mim era muito “óbvia”, era tudo o que eu conhecia e que todos viviam. Pegar transporte 3h por dia era normal. Todos fazemos isso, não? NÃO?!
Só quando corri pra fora que encontrei o horizonte e vi o depois do mar-de-prédios, desaguando em vida. Vi a lua nascer no mar pela primeira vez aos 27 anos, porque pra mim ela só “aparecia” no céu.
Descobri que unha suja de terra é sinal de um dia delicioso, daqueles que ficamos feliz em estar viva. Deve ser por isso que meus lugares favoritos em São Paulo sempre tiveram muito verde, muita vida, muitas cores.
Pequenos sinais que meu corpo já me mandava pra ir ver o infinito no horizonte e viver com unhas sujas de terra.
Me conta nos comentários o que achou desse formato na newsletter!



Procura-se: “a tal da natureza”
Tinha uma pessoa vendendo um cristal na rua.
E no meio de uma das ruas mais movimentadas de São Paulo, diversos cristais espalhados em uma mesa na frente da estação do metrô. Um pano preto de veludo contrastava com as cores claras e a rigidez de cada cristal. Alguns do tamanho da minha unha, outros do tamanho da minha mão. As pessoas desciam da estação e paqueravam os cristais com o canto do olho, algumas paravam pra acariciá-los.
Dizem que esse tal cristal tem energias, que ele nos regula. Por que é mais fácil tirar algo da natureza do que ir até ela e você mesmo se energizar? Acho que chega até a ser engraçado isso… como se tirar uma pedra da natureza, lugar onde a pedra se energiza, ela vai ter energia para nos “dar”. Tiraram a fonte dela e querem que ela mantenha a energia.
Eu sinto que somos todos parte da natureza, como os cristais. Se nos tiram da nossa fonte, perdemos vida.
Na mesa, cristais mortos eram expostos.
Tinha uma pessoa vendendo um cristal na rua. Tinha um cristal vendendo uma pessoa na rua.



É sempre sobre pessoas
Eu cruzaria a cidade por você, eu não cruzaria por aquela mostra de cinema.
Eu adoro encher a boca pra falar que eu viajo por pessoas, não por lugares. Eu não quero ir até Buenos Aires para ver a Flor Metálica, mas eu vou adorar conhecer pessoas num bar de rock argentino. Eu até posso ir a Machu Picchu, mas talvez eu sorria mais comendo num mercadão duvidoso e observando o caos a minha volta.
Vim pra São Paulo disposta a fazer o check em diversos pontos turísticos. De repente essa lista virou uma lista de pessoas que eu quero rever ou conhecer. E, de repente, não é mais tão chato pegar 1h30 de trem-metrô-ônibus desde que seja para dar um abraço em alguém.
Eu não queria turistar em São Paulo? Então, é isso… Vou turistar do meu jeito. Rechear minha passagem por aqui de encontros. Seja com rostos conhecidos e antigas conversas, mas também com novas caras e diferentes assuntos.
Como eu não lembrei que é sempre sobre pessoas? Tava tão na cara… duh.



Visitando antigas versões
Voltar pra casa depois de tanto tempo fora é se encontrar a cada esquina.
Lembra daquele primeiro encontro amoroso da sua vida nesse açaí? E quando você almoçava no Habibs toda quinta-feira antes de ir jogar bola? Ou quando tomei tanto café antes da faculdade que não consegui ficar na sala porque tava tendo palpitação? Teve aquela vez também que perdi o ônibus e sai andando até o trabalho porque tava tão agitada que nem conseguia ficar parada esperando…
Parece que cada esquina que viro tem uma história ali que vivi, que vi. E realmente aconteceu, mas é uma Lanna que eu olho e não sei quem é.
Eu acho que se eu a encontrasse hoje na rua e dissesse que iria contar do futuro dela, ela iria me responder: “desculpas, tô atrasada”, e seguiria o rumo sem escutar uma palavra sequer.
Hoje eu tenho pressa de andar devagar. E acho que aquela Lanna não iria entender isso... Talvez ela não precise, deixa acontecer. A calmaria vem… Deixa vir.
Com carinho,
Adorei a reflexão sobre os cristais. 😊
"(...)como se tirar uma pedra da natureza, lugar onde a pedra se energiza, ela vai ter energia para nos “dar”. Tiraram a fonte dela e querem que ela mantenha a energia."
MELDELSSS então era isso que eu pensava e não sabiaaaahhh!!