29 | Do alto da lua
Quando você está no avião e o mundo está em pausa: a mente avoa pra bem longe
Trechos e rabiscos feitos enquanto voava de São Paulo a Madrid para começar a Rota da Seda, viagem de Portugal a China por terra e mar.
1.
Eu não sei nem o que escrever. Estou sentada no avião da AirChina, ouvindo músicas da playlist Silk String Quintet - Nishang Song, da Huaxia National Orchestra. Estamos na metade do caminho, tem umas 5h que estou sentada (levantei pra me alongar uma vez). Demorei tudo isso pra pegar no telefone e escrever esse relato. Uma parte de mim se recusa a acreditar que começou, que eu realmente embarquei. Quando compramos a passagem, lá em dezembro, parecia tão distante. Chegou num suspiro.
Não é essa playlist exata, não encontrei a mencionada e essa daqui se aproximou bem :)
2.
[…] É tornar real que o momento do adeus chegou e que, quando voltar, já não seremos mais os mesmos. Nem eu e nem eles. Lembro até hoje quando voltei de uma longa viagem e fui limpar a sobrancelha de meu pai (no singular, porque elas se juntaram e viraram uma só). Notei que havia cílios brancos começando a dominar as bordas dos olhos. Em silêncio, paralisei. Perdi os primeiros, agora tinha que me contentar com um novo rosto que perdi a transformação do tempo.
Como o envelhecer da minha vó, que me custa muito alto, que me assusta. As novas descobertas da minha mãe que agora só tem que se preocupar com ela, e que as três filhas agora são, também, sua plateia. Minha irmã se encontrando na profissão, enquanto a outra se esbalda por amar tanto o que faz.
Vou perder filhos de amigos crescendo, que já não me chamarão de Nana. Serei Lanna e eles falaram o português chato, correto, e não aquele de pequenos aprendizes. Vou perder tudo, vou perder tanto.
Eles também vão perder, vão perder muito. E que dor é embarcar querendo levar um punhado de gente junto. Escolho ir mesmo com todas essas perdas. E bancar isso dói, não é fácil. Enquanto fizer sentido, farei.
3.
Fechei a mochila hoje de madrugada, horas antes de embarcar. Depois, peguei um papel e caneta, sentei, e esperei as palavras virem até mim. Eu não ia atrás delas, não sabia onde elas estavam. Era 1h da manhã, eu ia levantar as 4h. Precisava me despedir, deixar umas cartas espalhadas pela casa, precisava escrever algo, agradecer, falar que amo, que já sinto saudades. Mas as palavras se esconderam de mim, deixaram um daqueles vazios absurdos de quem escreve e se vê pelado sem conseguir se expressar.
Como me despedir? O que escrever? Nada nunca parece que vai dar conta do que tá entalado no coração. Jamais entenderão meu acúmulo de saudades, não tenho como escrever uma carta disso. Eu quero ir, mas dói partir. Jamais entenderão. E eu jamais conseguirei explicar.
A saudade dói antes mesmo da distância. Eu sei disso. Carregarei o caminho todo, que me acostumarei com seu peso e serei feliz mesmo com ela habitando meu corpo todo.
Agora dói mais porque o cheiro de quem amo ainda está em minha roupa.
4.
Esqueci o sabão de coco em barra, droga. Puts, o hidrosteril ficou na bancada...
5.
Quem serei quando voltar? Vão me reconhecer? Perderei amigos como da última vez? Irei reconhecê-los?
Como esse caminho vai me moldar? Quais cicatrizes vai me deixar? Os sorrisos que vai me arrancar? Ou as lágrimas causar? Os temperos que vou me apaixonar? Quem vou conhecer?
A viagem é isso, embarcar sem saber quem vai ser ao retornar.
6.
Um passo depois do outro. Uma fronteira depois da outra. Não acelere algo tão grandioso. Vai doer, vai bater saudades, vai rasgar o peito. Respira fundo. Muito fundo. Olha em volta. Veja onde está, pense em tudo que andou pra chegar até aí.
Olhe como as pessoas se vestem, como sorriem, como andam. Em silêncio. Uma espectadora do mundo com o coração leve. Que você tem onde cair, você tem em quem cair. Quantas pessoas tem isso? Abraça. Respira fundo de novo. Saboreie uma nova comida, faça mímica pra pedir algo, arrisque falar uma palavra nova.
Quando doer, pare e sinta.
Quando sarar, levante e continue.
7.
A lua aparece na janela do avião. Por um momento e ilusão de ótica, parece que estamos na mesma linha do horizonte. Ela brilha tão perto que dá pra ver suas crateras e perfeitas imperfeições. Nem a oleosidade da janela atrapalha, porque a luz dela reflete até nas asas do avião.
Onde quer que eu vá, ela vai estar. E isso me conforta. Se sentirem falta de mim, olhem pros céus. Seja com as formas das nuvens, o tom de azul do dia ensolarado, o nascer ou por do sol, até mesmo as gotas caindo dos céus quando as nuvens choram. Ou a lua de noite, abraçada pelas estrelas. Em algum lugar do mundo, estarei olhando os céus também.
Deveria ter escrito isso na carta. Agora é tarde, o avião já vai pousar.
Pousando ao som de Coração Marruá, de Agnes Nunes e Mariana Froes.


8.
Chego na primeira estadia, 16h após ter pousado em terras europeias. Exausta. Entro na internet e vejo duas pessoas comentando sobre a grande Lua Cheia de Maio, a lua que iluminou o nosso voo. Não me considero uma pessoa com crenças ou que enxerga os misticismos do mundo, não escolhi essa data e nem essa lua. Mas, confesso, tem momentos que a vida te dá motivos e magias pra tirar os pés do chão.
Mas, estranhamente, a ficha ainda não caiu… Quando será que vai cair?
Com amor, de olhos fincados no céu — mas ainda de pés no chão,
Oie! Peço desculpas por não ter respondido alguns emails e comentários no Substack. Está sendo bem intenso esse começo de viagem, e ainda estou tentando entender como adaptar a rotina. Eu responderei tudo até sexta-feira, combinado? Obrigada pela compreensão 💛
Quem escreveu esse trem?
Oi, sou a Lanna, jornalista por formação, comunicadora desde sempre. Viciada em chocolate, macarrão e curry. Viajante desde 2017 e escritora desde que aprendi a rabiscar cadernos. Eu não dispenso uma boa conversa com desconhecido, e adoro questionar as pessoas como elas enxergam a vida. Política se discute, política se vive.
Gosto de escrevinhar histórias que vivi, senti, e ouvi por esse mundão véio sem porteiras. Agora, numa jornada -insana- de Portugal a China por terra. Bora nessa? Se achegue mais, puxe uma cadeira, me conta sobre você ✉️
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Viver é diferente de que estar Vivo !!! abc
Desejo bons ventos, minha amiga Lanna! Estaremos por aqui te acompanhando e também nos transformando ao longo do caminho..