Aniversário de 24 e 25 anos
La Paz, Bolívia - Janeiro, 2018 | Oriximiná - Pará, Brasil - Janeiro, 2019
Ano passado eu estava sozinha na Bolívia. Era meu aniversário de 24 anos. Cheguei em La Paz sem conhecer ninguém e sai perambulando pela cidade a fim de me perder, mas não imaginei me perder desse jeito.
As ruas de La Paz ao mesmo tempo que me encantavam, me assustavam. Virei uma rua e me deparei com a Feria de las Alasitas, um festival muito tradicional em homenagem ao Ekeko, divindade andina que representa sorte e fartura. Era como um ritual de pensar no que deseja, comprar uma miniatura que represente, materializar, trazer pra mais perto.
Barraquinhas estavam espalhadas pelas calçadas e ruas, carregadas de itens em miniatura para você “comprar sua meta". Bastava escolher, fazer uma prece, e terás.
O que você quer? Um carro? Uma casa? Um filho? Um emprego? Tirar a carteira de motorista? Passar na faculdade? Um amor? Uma lhama? Comida?
Gritavam em coro para quem passasse.
Compre em miniatura, leve ao xamã e ele irá abrir os caminhos para que você consiga. Tão simples… Só precisava escolher na loja da vida e eu teria, tão simples...
Eu não fazia ideia do que queria, olhava cada barraca e ficava sem saber. Queria me perder pelas ruelas e me perdi foi é de mim, vê se pode uma coisa dessa. Sozinha e perdida, para ser mais exata.
Como assim eu não desejava nada nos meus 24 anos? Como pode alguém estar tão vazia de vontades?
Aquele era meu primeiro ano viajando sozinha. Os desejos que eu tinha antes, pra minha vida de antes, já não se aplicavam nessa realidade paralela que criei pra mim. Eu não sabia o que era possível desejar nessa vida em movimento.
Nunca na minha vida estive tão página em branco para o que a vida iria me presentear, e é por isso que não quis desejar nada ali. Sai de mãos vazias, mas com o coração zonzo por não saber o que vem depois. Mania de controle, excesso de medo.



Hoje, é diferente. Celebrando meu aniversário de 25 anos, em Oriximiná, no Pará. Acho que eu nunca tinha nem mesmo escutado o nome dessa cidade antes, jamais planejei passar meu aniversário aqui. Só para chegar foram dias em barco, dormindo em rede, muitas prosas ouvidas.
Agora mesmo estou deitada em uma rede olhando o céu com estrelas tão fortes que parecem desafiar as nuvens pra brilhar, ao som do motor rugindo e abrindo passagem no imenso Rio Amazonas. Já se foram dezenas de histórias vividas que sonho em um dia compartilhar com mais pessoas.
Um ano depois daquela feira da vida em miniaturas e estou onde jamais imaginei estar, com as mesmas calças, a mesma mochila, ainda sem roteiro, mas agora eu sei o que eu quero na lojinha da vida: eu quero isso aqui que tenho agora. Mesmo ainda estando perdida, sem rumo, eu tenho o que eu nem sabia que poderia desejar. Não vendia na loja da vida.
Uma vida coladinha na natureza e um trabalho que seja o suficientemente bom para levar uma leve vida. Vendo as estrelas, trabalhando de Havaianas nos pés. Eu nem sabia que podia sonhar com algo tão grandiosamente simples. Que a vida continue me surpreendendo.


Aniversário de 29 anos
Arboletes, Colômbia | Janeiro, 2023
“Ih, tá perto dos 30, segura que a crise vem…”
Se eu tivesse que descrever o que estou sentindo, diria que é como estar numa neblina bem densa. Sinto que ela está me rodeando toda, me deixando perdida e sem saber a direção de nada. Nem de onde vim e nem para onde vou. Por vezes não consigo enxergar o chão que piso ou os meus próprios pés descalços.
São todas e nenhuma possibilidade ao mesmo tempo.
Eu me achava decidida, agora não sei. É como se eu me perdesse de mim, de tudo que sei, ou que acho que sei. Me sinto nua de certezas, sobre mim e sobre meu caminho. E é estranho não saber nem o que se é mais, quem se é. O que se quer, o que não se quer.
Como assim não saber nem isso? O que sei? Eu sei? O que acho que sei? Parece que nem sei o que não sei.
E, como ouvi falar por aí: quem para, enferruja. Então, de pequeno passo em pequeno passo, começo a me mexer. Segui o ensinamento que cicatrizei como tatuagem no pé pra não esquecer: “preciso andar”, do Cartola. Na esperança talvez de encontrar algum lugar em mim que eu reconheça, ter alguma pequena certeza para sentir o chão mais firme. E ao perceber que não ia cair, que não tinha lado errado para ir, que não existe um tal de “lado certo” para andar, comecei a dançar com a neblina.
Dois pra lá, um pra cá. Dois pra cá, um pra lá. Testando o solo, e a mim mesma.
E brincando na neblina de olhos fechados já não me importo mais em não ver nada, porque não é preciso estar de olhos abertos para dançar só. E de um lado pro outro eu me movimento aos poucos. Sendo guiada pela vontade do corpo… e a da neblina.
Ainda sem certeza nenhuma da vida, mas agora com um pouco mais de sorriso no rosto. E nos dias. Eu e essa mania de gente de cidade grande em querer tudo pra ontem, em saber, em controlar. Em não saber viver processos, em querer encurtar a dor, não querer viver a confusão que é viver.
Um texto confuso para fases confusas.
Oi, vinte e nove, chega de mansinho que agora tá tocando forró pé-de-serra.



Aniversário de 30 anos
Vale do Capão, Chapada Diamantina - Brasil | Janeiro, 2024
Há uns meses eu estava me sentindo muito desorientada, desgostosa de viver. Uma amiga aconselhou: “tenta fazer coisas novas, testa algo que te dá medo, que você não faria normalmente, que te assustam. E vê como se sente, quem sabe você não ama algo que tinha medo ou se realmente não é a tua. Sei lá, brinca.”
Esse ano me desafiei e aceitei convites da vida que antes recusaria. Quando trabalhava na TV ALESP, ficava nos bastidores, produzindo, roteirizando, escondida. A exposição em vídeo me dava calafrios. E ainda me dá…
Acontece que a vida é um serzinho bem-humorado e sarcástico: me apaixonei por um YouTuber. A câmera, pra ele, é uma ferramenta para documentar a passagem do tempo. E, depois, virou trabalho. Quatro anos juntos, e só agora me juntei a ele nessa louca vida de produzir conteúdos longos na internet. Oficialmente uma YouTuber? Ai vida, só você mesmo pra me aprontar uma dessas…
Fiz mais: me desafiei duas vezes a encarar a câmera nos olhos.
O primeiro, estudar, gravar, e editar um vídeo completamente sozinha. Viajando em Cuba na minha própria companhia e, pela primeira vez, documentando em vídeo para além de textos e desenhos.
O outro desafio que a vida me deu e eu abracei foi dar uma entrevista para a TV Cultura sobre meu projeto de mulheres viajando sozinhas. Suei, tremi, engoli a seco e falei como se fizesse isso todo santo dia. Sai feliz, empolgada, leve.
E ainda comecei a dar consultorias para mulheres que querem viajar sozinhas e precisam de uma mão amiga. Algo que nem passaria pela minha cabeça há uns anos, mas está sendo tão gostoso se empolgar pelos planos de outras pessoas.
Para quem tem dificuldades em se expor, esses foram GRANDES desafios.
Meu incentivo era: “poxa, seria legal ter ouvido várias mulheres que viajaram sozinhas antes de cair na estrada. Talvez a gente precise falar mais mesmo, colocar nossas histórias pro mundo pra movimentar quem tá longe de nós a se movimentarem também.”
Olhando agora o vídeo pronto tem TANTO que eu mudaria, adicionaria, tiraria, falaria diferente… mas foi o que consegui fazer dentro do meu grande desconforto.
Fazer esses vídeos me assustam, mas eu gosto dum desafio. O próximo é criar coragem para escrever um livro envolvendo grandes paixões: viagem, América Latina, história e política. Sem nada de termos técnicos e academiquês, porque pra mim política é falada com gíria mesmo, na esquina de cada rua com cadeira de fio e pés descalços. Até porque o foco do livro é viagem, mas não tenho como escapar de falar da vida.
E, com muito frio na barriga, ele também vai ser jogado pro mundo com todas as suas imperfeições. Talvez seja isso, eu ter que me jogar nesses 30 - e em cada dígito vier - com todas as minhas imperfeições e medos.



Aniversário de 31 anos
São Francisco Xavier - São Paulo, Brasil | Janeiro, 2025
Dizem que é o fim do retorno de Saturno. Para me despedir dele, um banho de rio sozinha, com meus pensamentos, rindo das crises que invento. Não que eu entenda disso, sou só uma apaixonada em formas diferentes de ver a vida e gosto de simbolismos, criar rituais de encerramentos de ciclos.
Com a água gelada do rio batendo no corpo, começo a pensar que essa tal história de terror dos 30 anos é só um lembrete da vida. Como se fosse um ponto de avaliação: "ei, veja se esse caminho que você tá indo é realmente o que você quer seguir ou se é só o que a vida tá te empurrando".
Minha mãe falou que não teve a crise dos 30, ter 3 filhas não lhe dava tempo o suficiente para pensar em qual rumo a vida tava tomando, ela só precisava “rumar”. Eu, além de ter tempo, escolhi sair dos trilhos mapeados da vida e pegar um caminho mais fechado, cheio de matagal e poucas pegadas pra seguir. Ninguém mandou ser autônoma e viajante.
Sei que não existe caminho certo, mas tem caminhos que queremos seguir. Sabemos disso, lá no fundo, se ficarmos quietos tempo o suficiente, sabemos. Ou melhor, sentimos. E, ainda assim, temos medo em seguir.
Por que? É medo do que vem depois do caminho desejado? Medo do vazio pós-sonho? Da realização dele?
Desde que comecei a viajar sinto que minha vida foi levando um rumo que eu não escolhia, eu só seguia. Viajar e viver assim nunca foi um sonho. Quer dizer, talvez foi um sonho e eu só demorei pra perceber que ele poderia ser realidade. Às vezes nem temos ideia do quão alto podemos sonhar, nos podamos, apequenamos.
Deve ser por isso que cada mês que passa adio mais rever o que escrevi em Cuba e tantos outros sonhos dessa vida que ficaram na gaveta. A vida chega, a gente abraça outros caminhos que tem o solo mais firme a acabamos nos esquecendo desse ponto de avaliação da meia-meia vida.
Engraçado como reler esses meus textos antigos, me reler com outros olhos, me lembrou que testar, me desafiar, e me divertir no processo podem ser a melhor maneira de encontrar os meus trilhos. Onde os trilhos vão me levar? E eu lá quero saber? Ah não, chega de perguntas, já me azucrinei o suficiente esses últimos anos.



Mas eu quero sim me deixar um lembrete: seus sonhos merecem seu tempo, constância, e disciplina. Até porque uma das maiores aventuras da vida, com data só de ida, começa em poucos meses e eu preciso me lembrar de brincar.
Com amor, de quem sobreviveu ao ponto de avaliação dos 30 anos,
É engraçado como o tempo passa, comecei a viajar aos 39. Desde pequena tinha à vontade mas me faltava coragem. Hoje, aos 67, cada viagem é um recomeço. Adoro sair pelo mundo e estranho quando ouço gentes dizendo estar com saudades da cama, da casa, etc. Apenas penso, gostaria de ter muitos mais anos pela frente pra conhecer àquilo que não terei tempo pra conhecer.
Gostei de como você trouxe as fases, me senti jogando video game e passando de fase hehehe. Interessante ver algumas das histórias que você me contou em texto, sempre tem um detalhes novos que me surpreendem. Um beijo zói azedo!